Recaatingamento

8/12/2022

Representante de ONG alerta que desertificação pode inviabilizar a vida de famílias no Semiárido

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A desertificação vem avançando rapidamente no Brasil, onde 60% do território semiárido já foi atingido em algum nível pela desertificação.

A Caatinga, bioma que ocupa maior área na região, tem sido desmatada para atender ao crescimento das cidades, plantio de monocultura, mineração, instalação de parques eólicos e usinas de energia solar. Nos últimos 10 anos o desmatamento da Caatinga atingiu uma área equivalente ao tamanho de Portugal, ou seja, quase 50% do bioma está sendo afetado por processos acentuados de desertificação.

Nossa equipe conversou com Paulo Pedro de Carvalho, coordenador geral do Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não-Governamentais Alternativas – Caatinga, sediado em Ouricuri-PE. A instituição tem realizado trabalhos de preservação de áreas suscetíveis à desertificação, bem como recuperação de áreas degradadas e estimulado a produção sustentável.

Irpaa – O que é uma área em processo de desertificação ou desertificada? Quais características podem ser observadas?

Paulo Pedro – O processo de desertificação, como o nome está dizendo, é um processo. Não significa dizer exatamente que nós vamos chegar a um deserto, mas que as condições de vida nos ambientes em desertificação vão ficando cada vez mais difíceis e escassas. Começa pela degradação da mata, da vegetação, que por sua vez tem como consequência a degradação dos solos, das águas […] Vai diminuindo a fertilidade do solo, a biodiversidade das plantas e de animais que vivem naquele local e, consequentemente, afetando a vida das pessoas.

No Brasil acontece mais fortemente aqui no Semiárido brasileiro e em algumas áreas do entorno, nos nove estados do Nordeste brasileiro e mais boa parte de Minas Gerais e também parte do Espírito Santo, conforme está no Plano de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca.

Numa área em processo bem avançado de desertificação você percebe o solo descoberto, mesmo no período da chuva aquele solo já não consegue mais se cobrir totalmente, porque a terra já perdeu sua capacidade de regeneração e aí ficam aqueles verdadeiros descampados, onde a gente vê algumas plantinhas, mas já não tem mais aquela biodiversidade, inclusive as vezes aparece somente plantas rasteiras.

Irpaa – Qual o impacto de uma área desertificada para as famílias agricultoras?

Paulo Pedro – As famílias que moram naquela região praticamente não terão condições de viver, porque não vão conseguir produzir o principal, que é o alimento, nem gerar renda. Se a área [desertificada] for grande, vai ter um grande impacto sobre a vida das pessoas, do ponto de vista econômico, do ponto de vista de condições de vida, de produzir alimento, as mínimas condições para produzir agricultura e pecuária, o que normalmente provoca êxodo, a mudança dessas famílias para outras regiões que têm mais condições.

Irpaa – A desertificação também impacta no ambiente natural, a flora e a fauna nos arredores da área desertificada?

Paulo Pedro – Nas áreas em processo grave e avançado de desertificação, há toda uma consequência sobre a vida das plantas e dos animais que ali vivem. As águas vão cada vez mais degradar o solo, reduzindo bastante a biodiversidade das plantas existentes naquela região […] Há um impacto sobre todas as formas de vida existentes, vai colocando aquela área numa situação de difícil recuperação. É preciso uma ação humana muito forte e incisiva para começar a reestabelecer algumas condições de vida. Possivelmente aquela área não volte mais a ser o que foi anteriormente, antes de começar o processo de degradação ali naquela localidade.

Irpaa – O Semiárido é uma região com alto risco de desertificação. Quais elementos contribuem para o avanço da desertificação na nossa região?

Paulo Pedro – Começa com o desmatamento, as queimadas, os monocultivos, especialmente de capins, de gramíneas para o criatório de animais, para instalação de pastagens, especialmente para a criação de bovinos. Você retira toda uma biodiversidade de plantas da Caatinga, substituiu por capim e ainda, muitas vezes, se coloca uma quantidade excessiva de animais sobre aquelas áreas, que vai consumindo, se alimentando daquelas gramíneas, daquele capim e vai pisoteando aquele solo, deixando compactado, endurecido, o que inclusive dificulta a penetração da água no período que chove e facilita os processos de erosão desse solo.

Então, o desmatamento, a retirada da lenha, as queimadas, o manejo do solo com máquinas pesadas e de forma intensiva e ainda a grande utilização de agrotóxicos que termina também prejudicando a vida do solo. Esses são fatores principais. Somado a isso o processo de mineração que muitas vezes reviram o subsolo e utilizam a lenha da Caatinga de forma descontrolada, de forma irracional, para o processo de beneficiamento.

Irpaa – A população da cidade contribui para este processo? Como?

Paulo Pedro – Quando eles não têm uma ação de valorizar aqueles produtos que vêm de experiências de produção que não sejam degradadoras do meio ambiente. Tem o consumismo também. Às vezes as pessoas querem demandar quantidade maior de bens de consumo.
É preciso uma consciência geral das pessoas, tanto do campo, como da cidade, sobre o meio ambiente, sobre cuidar do meio ambiente, mesmo quem está na cidade pode dar sua contribuição valorizando os produtos que vêm de sistemas de produção agroecológica sustentáveis, como também diminuir mais o uso da água, o uso da madeira, de vários produtos que hoje são usados com grande intensidade. As pessoas precisam rever suas formas de vida, suas formas de consumo.

Irpaa – É possível recuperar uma área desertificada?

Paulo Pedro – Assim como a humanidade tem essa grande capacidade de destruir o meio ambiente, essa mesma humanidade tem também a capacidade de recuperar as áreas desertificadas. É preciso adotar as práticas de recuperação de áreas, de recuperação de solo, de semear sementes nas áreas, sementes que sejam adequadas à realidade daquela região. É possível! Claro que o melhor é prevenir, preservar, trabalhar de forma sustentável.

Irpaa – Como as políticas públicas e as demais ações governamentais poderiam auxiliar na contenção da desertificação?

Paulo Pedro – Já tem algumas políticas e planos que foram construídos, inclusive alguns deles em diálogo com a sociedade civil, como o Plano de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, como também os planos estaduais. Temos 11 planos estaduais dos nove estados do Nordeste, mais Minas Gerais e Espírito Santo. Mas elas [as políticas] estão apenas no papel. É preciso tirar o papel. Esses planos preveem ação de educação, ação de assistência técnica agroecológica […] e também investir em infraestrutura, financiamento para as famílias poderem montar as infraestruturas adequadas para elas continuarem produzindo, sem destruir o meio ambiente […] Outro apoio importante que as políticas públicas devem dar é auxiliar as famílias produtoras e suas organizações a venderem bem seus produtos.

Irpaa – O que a sociedade civil tem feito para contribuir para a resolução deste problema?
Paulo Pedro –
Podemos citar um programa muito importante, que mudou a região semiárida em torno de duas décadas, que foi o programa da ASA [Articulação Semiárido Brasileiro] em parceria com o Governo Federal, governos estaduais, organizações internacionais, com empresas: o Programa de Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semiárido.

O programa P1MC [Programa Um Milhão de Cisternas] que já beneficiou mais de 5 milhões de pessoas, mais de 1 milhão de famílias. O Programa da segunda água, P1+2, [Programa] Uma Terra e Duas Água, que trazia tecnologias de captação de água para produção de alimentos e geração de renda para as famílias. O programa sementes, Cisternas nas Escolas…

Essa é uma forma de política que a gente defende, que acredita e que realmente faz diferença na vida das diversas pessoas e comunidades espalhadas por todos esses territórios do Semiárido brasileiro. Quando a sociedade civil dialoga com os órgãos públicos para fazer aquilo que realmente precisa ser feito e necessita ser feito, cuidando bem das pessoas e do meio ambiente promovendo o desenvolvimento das regiões.

Irpaa – O que agricultoras e agricultores devem fazer para evitar a desertificação
de suas áreas?

Paulo Pedro – As famílias agricultoras estão no centro desse processo de ações e de necessidade de fazer a reversão e a prevenção sobre a desertificação. As famílias podem avançar ainda mais na troca, na construção de conhecimentos, conhecendo as experiências agroecológicas, procurando não desmatar mais, aproveitar melhor e recuperar a fertilidade das terras que hoje já estão desmatadas, usar tecnologias adequadas que ajudem a manter a fertilidade do solo, a manter água no solo, evitar a erosão, manter os solos cobertos com vegetação e também com matéria orgânica, fazer diversas práticas e montar tecnologias de estocagem de água, estocando rações para os animais, estocar sementes […] Lutar por políticas públicas adequadas, no nível dos municípios, no nível dos estados e também no nível federal. Outra coisa que os agricultores e agricultoras podem fazer é se organizar cada vez mais em redes, em associações, em sindicatos para cobrar, para ajudar a construir políticas públicas adequadas, inclusive nos processos eleitorais procurar identificar candidatos, tanto ao legislativo como ao executivo, que defendam essas propostas de valorização da agricultura, de valorização da agroecologia e de multiplicação e valorização dessas experiências que já demonstraram que é possível produzir cuidando do meio ambiente, cuidando das pessoas e, principalmente, gerando alimento de qualidade para as pessoas do campo e da cidade, também gerando renda digna para essas famílias.

Foto: Celso Tavares/G1

 

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